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Desativação unilateral da conta de Instagram dá direito a danos morais

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Desativação unilateral da conta de Instagram dá direito a danos morais

Alexandre Augusto Rocha Soares

É no seio digital onde se desenvolve o fórum de ideias e formam-se opiniões, propiciando, assim, uma das facetas mais modernas do direito à liberdade de expressão.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020



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O uso das redes sociais, notadamente o Instagram, se insere no rol de direitos fundamentais do indivíduo. Essas plataformas, atualmente, são os principais meios de comunicação da sociedade. É no seio digital onde se desenvolve o fórum de ideias e formam-se opiniões, propiciando, assim, uma das facetas mais modernas do direito à liberdade de expressão, direito garantido constitucionalmente (art. 5º, inciso IV, da CF). A exclusão indevida das redes sociais gera o direito à reativação da conta, bem como ao pagamento de indenização por danos morais.


Ao criar uma conta nestas mídias sociais, o usuário adere às normas impostas pela plataforma sem possibilidade de negociação, abrindo espaço para o abuso por parte dos gestores das redes sociais. Ao aderir a essas regras, o usuário se compromete com toda a comunidade a seguir determinados patamares de conduta que, se desrespeitados, podem gerar sua exclusão daquela comunidade.


Isso não significa que a exclusão pode se dar de forma arbitrária e imotivada. Ao contrário: vedar acesso, imotivadamente, ao indivíduo é o mesmo que limitar sua liberdade de expressão e, consequentemente, limitar o exercício desse direito pela via digital.


Apesar da gravidade da exclusão de perfis das redes sociais, as plataformas tem reiteradamente excluído perfis de forma arbitrária, sem conceder o direito ao contraditório e ampla defesa, confiando plenamente em denúncias que, no mais das vezes, são feitas anonimamente.


De início, é importante esclarecer que a presente relação jurídica tem natureza eminentemente consumerista, regida in tontum pelo Código de Defesa do Consumidor - ou seja, os usuários das redes sociais têm proteção diferenciada no ordenamento jurídico.


Consumidor, à luz do artigo 2º da lei 8.078/90, é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final. Já o fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 4º da lei 8.078/90). Então pode-se concluir que o Facebook presta serviços de site de relacionamento, troca de mensagens pela internet e que tem em seus usuários como destinatários finais.


Não é outro o entendimento dos Tribunais:


APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONSUMIDOR. CONDUTA ILÍCITA DO FACEBOOK NÃO COMPROVADA. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. SENTENÇA MANTIDA. Código de Defesa do Consumidor. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações como a dos autos. Danos morais. Não configurados. Para se fazer jus à reparação por dano moral não basta alegar prejuízos aleatórios ou em potencial, é necessária a comprovação do dano efetivo sofrido pela parte. Demandante não logrou provar fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, inc. I, do CPC/2015, não havendo comprovação de que a situação vivenciada ultrapassou a esfera do mero dissabor diário a que todos estamos sujeitos. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (apelação cível 70077198281, décima sétima Câmara Cível, TJ/RS, relator: Giovanni Conti, julgado em 24/5/2018). (TJ/RS - AC: 70077198281 RS, relator: Giovanni Conti, data de julgamento: 24/5/2018, décima sétima Câmara Cível, data de publicação: Diário da Justiça do dia 30/5/2018)


EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. PÁGINA FACEBOOK. CONTEÚDO OFENSIVO. TUTELA DE URGÊNCIA. PRESERVAÇÃO DE TODO CONTEÚDO. CADASTRO DE TODOS QUE PUBLICARAM. DECISÃO EXTRA PETITA. ART. 141 E 492, CPC. NULIDADE. RECONHECIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO CASSADA. 1. O Código de Processo Civil, artigos 141 e 492, estabelece que o juiz deve decidir nos limites requeridos pelas partes em razão do princípio da congruência. 2. No caso em análise, o juízo a quo deferiu em parte a tutela de urgência determinando ao agravante que preserve o conteúdo integral atualmente existente bem como os cadastros de todos aqueles que publicaram nessa página. 3. Contudo, a determinação excedeu os limites do que foi requerido pelo autor da ação na peça inicial e, portanto, o julgamento foi extra petita e a decisão nula. 4. Recurso conhecido e provido. Decisão cassada. (TJ/DF 07060596420188070000 DF 0706059-64.2018.8.07.0000, relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, data de julgamento: 1º/8/2018, 1ª turma cível, data de publicação: Publicado no DJE : 9/8/2018. Pág.: Sem página cadastrada.)


APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS. PERFIL FALSO. FACEBOOK. - Parte autora que alega ter sofrido danos morais em razão da divulgação indevida de suas fotografias íntimas em plataforma eletrônica gerenciada pela ré (Facebook) - Sentença vergastada que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para, mantendo a decisão liminar anteriormente proferida nestes autos, determinar que a ré se abstenha de veicular imagens íntimas da autora em sua plataforma eletrônica, julgando, todavia, improcedente o pedido compensatório de danos morais formulado pela demandante - Impossibilidade de se determinar que a ré, de forma automática e irrefletida, exclua todo e qualquer conteúdo futuro relacionado à imagem da demandante, haja vista a necessidade de prévia análise judicial da matéria - Abrangência da decisão antecipatória dos efeitos da tutela que deve se limitar aos perfis falsos já indicados nesta demanda e não a outros perfis porventura criados no futuro e que não chegaram a ser arrolados na causa de pedir destes autos - Ordem judicial para retirada de conteúdo on line que deve estar devidamente identificada com a URL, não podendo ser imposta de forma genérica à ré - Sociedade demandada que, todavia, levou mais de vinte dias para retirar as imagens abusivas da consumidora de sua plataforma eletrônica, mesmo após incessantes denúncias feitas por ela e seus amigos e familiares - Falsários que, posteriormente, criaram novo perfil falso da demandante, tendo a ré, por sua vez, demorado mais 48 horas para excluir o conteúdo danoso de seu sitio eletrônico - Situação descrita nos autos que evidentemente gerou danos morais à autora, havendo, portanto, necessidade de se fixar verba compensatória em seu favor - Quantum arbitrado em R$ 5.000,00, haja vista estar tal quantia em consonância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como ao montante comumente fixado por este Tribunal em situações semelhantes - Pedidos de condenação da autora ao pagamento de verbas sucumbenciais e de aumento de verba honorária que não devem ser acolhidos, haja vista a adequada análise dos pontos pelo magistrado de primeira instância - Inaplicabilidade dos honorários sucumbenciais recursais previstos no artigo 85, § 11º, do CPC/15, conforme entendimento constante no enunciado administrativo 7, do STJ. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.  (TJ/RJ - APL: 00113580420148190054 RIO DE JANEIRO SAO JOAO DE MERITI 1 VARA CIVEL, relator: TEREZA CRISTINA SOBRAL BITTENCOURT SAMPAIO, data de julgamento: 21/3/2018, VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, data de publicação: 26/3/2018)


A exclusão arbitrária viola o direito básico do consumidor à informação (art. 6º, inciso III, do CDC), pois é direito do usuário excluído saber os motivos para essa conduta, inclusive a imputação das regras supostamente violadas.


A jurisprudência do egrégio TJ/SP posiciona-se nesse sentido:


OBRIGAÇÃO DE FAZER. REDES SOCIAIS. DESATIVAÇÃO DE CONTA DA AUTORA NO "INSTAGRAM". DENÚNCIA DE TERCEIRO ENVOLVENDO PROPRIEDADE INTELECTUAL. CONDUTA IRREGULAR POR PARTE DA AUTORA NÃO COMPROVADA NOS AUTOS NO MOMENTO OPORTUNO. INOBSERVÂNCIA PELA RÉ DOS TERMOS DE USO E POLÍTICA DO APLICATIVO. REATIVAÇÃO DA CONTA DA AUTORA. CABIMENTO. MULTA DIÁRIA FIXADA EM DECISÃO QUE ENVOLVEU TUTELA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DE RECURSO PARA SUA IMPUGNAÇÃO. PRECLUSÃO TEMPORAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NESTA PARTE. O fundamento precípuo da r. sentença para acolher o pedido inicial foi a não comprovação pela ré de que a desativação da conta da autora no aplicativo "Instagram" foi legítima e, com razão o magistrado, uma vez que em contestação a ré limitou-se a apontar o nome da denunciante, contudo, não esclareceu que ato teria praticado a autora que pudesse ensejar a suposta contrafação a infringir os termos de uso do aplicativo quanto à propriedade intelectual de terceiro. Ainda que assim não fosse, pugna a ré pelo respeito aos seus termos de uso pela autora, contudo, ela própria não segue as normas contidas no referido termo. Sentença que não enfrentou todos os pedidos que deve ser complementada, acrescendo-se à condenação as demais pretensões contidas na inicial. Recurso não conhecido em parte e, na parte conhecida, desprovido, com ampliação da condenação, de ofício, de forma a corrigir sentença "citra petita". (TJ/SP - APL: 10663582820178260100 SP 1066358-28.2017.8.26.0100, relator: Gilberto Leme, data de julgamento: 1º/10/2018, 35ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 9/10/2018)


É um verdadeiro contrassenso que a plataforma desenvolva novos recursos tecnológicos, para incentivar o uso e exploração com publicidade pelos usuários, os chamados "influenciadores digitais", com o objetivo de aumentar sua própria receita, e ao mesmo tempo exclui sem razoável motivo uma conta que se destina à exploração que ela própria incentiva.


No mais das vezes, a exclusão é imotivada. O usuário é excluído sem sequer ser ouvido. Em conduta arbitrária, a conta é desativada sem qualquer oportunidade ao contraditório e à ampla defesa, subtraindo a pessoa de importante atividade digital.


O STF reconhece a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, é possível aplicar-se plenamente as liberdades individuais nas relações privadas, mormente quando se trata de relação em que uma das partes assume condição de supremacia em detrimento da outra.


A jurisprudência do Supremo já contemplava a incidência direta dos direitos fundamentais na esfera privada, como no RE 158.215/RS, em que determinou a observância do direito e a ampla defesa na exclusão de associado de cooperativa, e no RE 161.243/DF, em que aplicou a empregado brasileiro o estatuto de uma empresa que previa benefícios a empregados de nacionalidade francesa.


Nesse sentido:


DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. (STF - RE: 158215 RS, relator: MARCO AURÉLIO, data de julgamento: 30/4/1996, SEGUNDA TURMA, data de publicação: DJ 07-06-1996 PP-19830 EMENT VOL-01831-02 PP-00307 RTJ VOL-00164-02 PP-00757).


Conforme se observa nos Termos de Uso e Política do Instagram, a desativação de conta é possível, mas, só se o usuário violar grave ou continuamente os termos. A desativação sem apuração prévia e sem direito de defesa atende, apenas, aos interesses do Instagram, que busca se proteger de processos judiciais caso demore a remover conteúdo inapropriado. É o verdadeiro "in dubio, retire-se do ar".


Logo, uma única ofensa é incapaz de violar os termos de uso. Pelo contrário, o que se observa é que a empresa ré violou o seu próprio contrato de adesão. Trata-se de conduta abusiva e arbitrária, protegida pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 6, inciso IV).


Os meios digitais oferecem enorme poder às empresas, que detém quase que o monopólio das publicações modernas na rede. Deve haver equilíbrio nessa relação jurídica, sob pena de criarmos uma arbitrariedade privada semelhante aos regimes absolutistas no mundo virtual.


O devido processo legal deve ser respeitado, com garantia ao contraditório e ampla defesa. Não existe penalidade sem observância dessas garantias - e a total indiferença das plataformas, que não interagem com o autor, encaminhando-lhe respostas padrão - denota o total descomprometimento do Instagram com a justiça na rede e se constituem em inaceitável demonstração de poder.


Essa interpretação é confirmada pelo Marco Civil da Internet, o qual, em seu art. 20, exige a prévia comunicação, bem como o exercício dessas faculdades, para a legalidade da conduta do prestador.


Assim, o exclusão das redes sociais deve: (1) indicar qual seria o termo de conduta violado; (2) conceder direito de defesa, antes ou após a penalidade, se houver urgência; (3) ser proporcional e derivar da reiteração nas condutas, com alertas prévios à exclusão, pois a reiteração é necessária para que o autor da ofensa promova a adequação do seu comportamento, ou seja, é corolário da boa fé nesta relação; (4) finalmente, enquanto aplicável o Código de Defesa do Consumidor, tanto a aplicação da penalidade quanto a postura do Facebook após o autor reiteradamente buscar esclarecimentos mostram o quanto a plataforma ignora o apelo dos consumidores, em atitude que merece ampla reprimenda.


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*Alexandre Augusto Rocha Soares é procurador do Estado de Sergipe e sócio do escritório Costa e Rocha Soares Advogados. Mestrando em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-MG. Graduado em Direito pela PUC-SP e em jornalismo pela USP.

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