O "print screen"
O "print screen" ĂŠ insuficiente Ă materialidade nos crimes digitais
17 de junho de 2022, 15h44
â 1. Escopo. O texto sustenta que o "print screen" ĂŠ insuficiente Ă demonstração da materialidade dos crimes praticados pelo meio digital/eletrĂ´nico (definição e tratamento).

â 3. Definição de "e-evidence". A definição de "e-evidence" orienta-se pela: (a) relevância (meio de prova adequado ao fim que se destina); (b) confiabilidade (equivalĂŞncia entre o verificado e o representado); e, (c) suficiĂŞncia (deve congregar os elementos necessĂĄrios de superação aos testes de verificação).
â 4. Tratamento da "e-evidence". JĂĄ o Tratamento da "e-evidĂŞncia" deve ser realizado por cĂłpia (aquisição) e autorizar as seguintes condiçþes: (a) auditabilidade (conformidade da metodologia e dos procedimentos); (b) repetibilidade (os resultados obtidos, nas mesmas condiçþes, devem ser os mesmos); (c) reprodutibilidade (equivalĂŞncia de resultados por meio de instrumentos diversos); e, (d) justificabilidade (justificação da escolha e realização dos procedimentos e mĂŠtodos de obtenção e tratamento).
â 5. Cadeia de CustĂłdia. Considerando as caracterĂsticas dos dados alvo da prova (volatilidade e fragilidade), a evidĂŞncia digital pode ser alterada, editada, manipulada ou destruĂda de modo doloso ou culposo, tanto pelos agentes processuais, como pelos peritos. A "e-evidĂŞncia" constitui-se pelos formatos fĂsico e lĂłgico. Desde o rastreio e a obtenção, atĂŠ o descarte, todo o percurso e tratamento deve ocorrer com a "identificação" dos dispositivos (externa, via dispositivo de armazenamento e, se possĂvel e viĂĄvel, a interna: os dados), evitando-se sobreposiçþes. Os cuidados com a Cadeia de CustĂłdia Digital (controle de obtenção, movimento e acesso aos dados, com a identificação, histĂłrico de acesso, por tempo, local e motivação, alĂŠm de eventuais alteraçþes) se potencializam, porque ĂŠ dever de todos os agentes que participam da obtenção ou tratamento da evidĂŞncia digital, alĂŠm de conhecimentos mĂnimos (p.ex. o programa MD5Summer verifica a integridade dos arquivos transmitidos pela web), a respectiva documentação das condiçþes matĂŠrias do rastreamento, identificação, fixação, aquisição (cĂłpia integral e documentada da evidĂŞncia, observando-se a conformidade: função de Hash), preservação (manutenção do original da evidĂŞncia intacto), anĂĄlise, intercorrĂŞncias, armazenamento e descarte. Os "dados" se distinguem entre "volĂĄteis" (p.ex. memĂłria RAM etc.) ou "nĂŁo volĂĄteis" p.ex. HD, cards de memĂłria etc.). Os volĂĄteis podem se perder mais facilmente, motivo pelo qual o modo como eventual Busca e ApreensĂŁo ĂŠ realizada pode destruir ou comprometer o conteĂşdo.

â 6. Materialidade nos crimes que deixam vestĂgios. A materialidade ĂŠ indispensĂĄvel nos crimes que deixam vestĂgios (CPP, artigo 158), os praticados por meio digital/eletrĂ´nico exigem a observância das normas tĂŠcnicas de existĂŞncia, de validade e de eficĂĄcia. A prova digital (e-evidence) depende da aquisição vĂĄlida dos dados e nĂŁo somente da imagem (da aparĂŞncia visĂvel). Eis um dos desafios atuais do regime probatĂłrio digital.
â 7. Aquisição de Dados. A aquisição e/ou extração de dados do ambiente digital, especificamente da internet ou de aplicativos de mensageria, deve observar os requisitos de ExistĂŞncia, Validade e EficĂĄcia (Teste EVE). A aplicação analĂłgica do artigo 411, II, do CPC (Art. 411. Considera-se autĂŞntico o documento quando: [âŚ] II â a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrĂ´nico, nos termos da lei.) autoriza a invocação das regras tĂŠcnicas (ABNT-ISO) como parâmetro de verificação da autenticidade.
â 8. Regras TĂŠcnicas. As Regras TĂŠcnicas (Norma ABNT ISO/IEC 27.037:201) sĂŁo de observância obrigatĂłria. A Organização Internacional de Padronização (ISO) editou a Norma ABNT NBR ISO/ IEC 27037:2013, estabelecendo os critĂŠrios de tratamento das evidĂŞncias digitais, isto ĂŠ, os requisitos de existĂŞncia e de validade Ă preservação da integridade, da autenticidade, da auditabilidade e da cadeia de custĂłdia relativas Ă evidĂŞncia digital.
â 9. "Print Screen". Em consequĂŞncia, o mero "print screen" ĂŠ insuficiente Ă demonstração da materialidade, por violação da metodologia necessĂĄria Ă existĂŞncia e Ă validade do suporte material, por violação dos elementos de "definição" e de "tratamento". Ă que os documentos nativos do ambiente digital demandam aquisição adequada dos dados, em geral por "imagem" (no conceito tĂŠcnico e nĂŁo do "print screen", por evidente). Logo, nĂŁo preenche os atributos de Definição e de Tratamento.
â 10. CPC e CPP. Se no Processo Civil, em que os direitos, em geral, sĂŁo "disponĂveis" os "prints" impugnados sĂŁo considerados "irrelevantes" e "invĂĄlidos", com maior rigor no Processo Penal, em que os direitos sĂŁo indisponĂveis.
â 11. Manipulação. O "print screen" pode ser manipulado amplamente. Os dados podem ser "montados" por meio de aplicativos disponĂveis nas lojas dos smartphone (google play e apple store), "espoliados" (degradação por incidĂŞncia de calor, umidade, campos magnĂŠticos e/ou elĂŠtricos, quedas etc.) ou "adulterados" (violada a integridade, mesmidade e auditabilidade), por aspectos inerentes Ă diligĂŞncia de aquisição ou pela interferĂŞncia de agentes externos. Por isso que agentes profissionais, assim que o dispositivo ĂŠ apreendido, promovem o desligamento ou a colocação em modo aviĂŁo (evitam a adulteração por administradores ou agentes externos). As operaçþes policiais seguem o procedimento de imediata colocação e "modo aviĂŁo". Por ser amplamente "manipulĂĄvel", o "print screen" (conjunto de pixels), ao contrĂĄrio do Processo Civil, em que a nĂŁo contestação do rĂŠu, consolida a autenticidade, no domĂnio do Processo Penal a "materialidade" exige a aquisição adequada, atĂŠ porque a confissĂŁo ĂŠ insuficiente.
â 12. Ănus da Prova. Se o Ă´nus probatĂłrio ĂŠ da acusação, o Estado ou o querelante devem adquirir validamente os dados, motivo pelo qual a nĂŁo-conformidade significa a ausĂŞncia de materialidade, pouco importando se a defesa deixa de impugnar o "print screen" ou mesmo confessa o envio da mensagem porque a confissĂŁo ĂŠ invĂĄlida para o fim de comprovação da materialidade. A exigĂŞncia ĂŠ do regime probatĂłrio do Processo Penal (CPP, artigo 158; artigo 564, III, "b"). Em consequĂŞncia, eventual confissĂŁo nĂŁo supre a ausĂŞncia de aquisição vĂĄlida da prova.
â 13. Ata Notarial. A produção de Ata Notarial, para fins de validade, depende do preenchimento dos requisitos legais quanto Ă metodologia aplicĂĄvel Ă extração dos dados. O instrumento pĂşblico, por si, ĂŠ insuficiente, porque serĂĄ necessĂĄria a determinação dos indicadores capazes de atribuir integridade, autenticidade, auditabilidade, alĂŠm de observar a cadeia de custĂłdia. O conteĂşdo deve ser extraĂdo da web e nĂŁo de eventual print apresentado pelo requerente ou a narrativa do que ĂŠ visualizado pelo notĂĄrio. Em consequĂŞncia, se os dados nĂŁo forem adquiridos, a transcrição e/ou a narrativa, para fins penais, tambĂŠm serĂŁo insuficientes Ă configuração da materialidade.
â 14. Extração vĂĄlida. A validade estĂĄ vinculada Ă garantia de integridade do modo como se capturam os dados de trĂĄfego, de vestĂgios e dados digitais (inclusive conversas de Whatsapp, Telegram, Facebook, Instagram, sĂtios online etc.), em atenção Ă cadeia de custĂłdia. EstĂŁo disponĂveis no mercado diversos produtos capazes de, com rapidez, eficiĂŞncia e validade jurĂdica, promover a extração e documentação de conteĂşdo da web (Verificat, PACWeb, por exemplo, sĂŁo bem funcionais).
â 15. Um Julgado. No julgamento da Apelação Criminal 5004504-77.2020.8.24.0079, em que fui relator, junto Ă 3ÂŞ Turma Recursal do TJ-SC, decidimos:
"CRIME DE AMEAĂA (ART. 147, CAPUT, DO CĂDIGO PENAL). CONDENAĂĂO NA ORIGEM. PLEITO DEFENSIVO PELA ABSOLVIĂĂO POR INSUFICIĂNCIA DE PROVAS. PROMESSA DE CAUSAR MAL INJUSTO E GRAVE SUPOSTAMENTE PERPETRADA POR MEIO DE APLICATIVO DE MENSAGERIA (WHATSAPP). PROVA MATERIAL LIMITADA Ă JUNTADA DE CAPTURA DE TELA FORNECIDA PELA VĂTIMA. INSUFICIĂNCIA. VIOLAĂĂO DA METODOLOGIA DE AQUISIĂĂO VĂLIDA DA MATERIALIDADE NOS CRIMES QUE DEIXAM VESTĂGIOS (CPP, ART. 158). REGRAS DE DEFINIĂĂO E TRATAMENTO INOBSERVADAS. O "PRINT SCREEN" Ă INSUFICIENTE Ă MATERIALIDADE NECESSĂRIA Ă EXISTĂNCIA E Ă VALIDADE DA PROVA DIGITAL NO ĂMBITO CRIMINAL. REGISTRO QUE NĂO PERMITE NEM SEQUER A IDENTIFICAĂĂO DO INTERLOCUTOR. AUSĂNCIA DE MATERIALIDADE. ABSOLVIĂĂO NOS TERMOS DO ART. 386, INCISO II, DO CĂDIGO DE PROCESSO PENAL QUE SE IMPĂE. RECURSO PROVIDO".
â 16. Em conclusĂŁo. A apuração de condutas criminais que se valem do ambiente digital (prĂłprias ou imprĂłprias) exige comprovação adequada por meio da observância de regras, metodologias e procedimentos tĂŠcnicos. Os prints extraĂdos de endereços da web ou de smartphones (Whatsapp, por exemplo), sĂŁo qualificados como "imagem", submetido Ă demonstração do modo de obtenção e/ou produção. A maleabilidade e a vulnerabilidade dos dados digitais, principalmente pela ampla possibilidade de criação de diĂĄlogos falsos (fakes), por meio de aplicativos disponĂveis na rede, reafirma a necessidade de observância da Cadeia de CustĂłdia Digital. Diferentemente do regime do Processo Civil, em que a nĂŁo impugnação pela parte adversa consolida a validade, no Processo Penal o Ă´nus da prova ĂŠ da acusação, motivo pelo qual a demonstração da existĂŞncia, validade e eficĂĄcia ĂŠ atribuĂda a quem acusa. O print, por si, sem a demonstração da regularidade (metadados, integridade, cĂłdigo Hash, quem, como, onde, atendidas as regras de identificação e coleta), nĂŁo produz nenhum efeito probatĂłrio. Em geral, serĂĄ preciso a anĂĄlise do dispositivo, se possĂvel de todos os interlocutores, dada a possibilidade de manipulação. Por consequĂŞncia, se os dados nĂŁo foram adquiridos, o "print screen" ĂŠ insuficiente Ă demonstração da "existĂŞncia" da materialidade, motivo pelo qual a ação penal nĂŁo pode ser admitida e, caso tenha sido, o acusado deve ser absolvido, nos termos do artigo 386, II, do CPP.
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